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Fui buscar nos labirintos da memória a seleção de imagens sobre a minha vivência nos festejos juninos. Como nasci em Aracaju, capital de Sergipe, chamarei de memórias urbanas. Morei em um conjunto residencial chamado de Novo Horizonte, popularmente conhecido como Conjunto dos Motoristas. Celebrar Santo Antônio,  São João e São Pedro sempre foi um evento familiar. 

Eu e meus irmãos íamos enfeitar os postes e a frente de casa com palhas de coqueiro. As bandeirolas e os balões tomavam conta da rua e de toda a parte externa da casa. A fogueira era feita com pedaços de madeira que eram acumuladas durante o ano. O cheiro do mungunzá, arroz doce, canjica e bolo de milho, feitos por minha mãe, tomava conta da casa. 

Organizávamos as mesas forradas de chita e as cadeiras para sentar à porta ao redor fogueira e comer amendoim cozido. Esperávamos ansiosos pelos fogos de artifício que meu pai comprava todos os anos. Peido de Véio, chuvinha, traque de bebé, traque de massa e mijão para eu e meus dois irmãos e os foguetes e espadas para ele mesmo. Os vizinhos e demais familiares apareciam para visitar, beber um licor e comer os quitutes feitos pela matriarca da família. E a gente sempre visitava a casa de Lemos e Ivonete. 
Na velha radiola de casa Luiz Gonzaga, Trio Nordestino e Jackson do Pandeiro eram os preferidos. Esperávamos a fogueira baixar para assar o milho e colocar os espetinhos de carne. Na rua em frente, a maior fogueira do bairro Luzia, a fogueira de Joel da Capela. As crianças nas ruas exibindo o seu arsenal de fogos de artifício e os adolescentes fazendo guerras de buscapé com os moradores do condomínio Flamboyant. 

Já na adolescência, comecei a quebrar as festas juninas familiares para prestigiar os grandes eventos no Forró Caju da Praça Fausto Cardoso, na Rua de São João, em Areia Branca, no São João de Paz e Amor, e na festa do Mastro de Capela. Foram momentos contagiantes. Lembranças fantásticas, de aglomerações humanas no momento mais esperado do ano. Foi o meu primeiro momento de empreendedorismo. Alugava ônibus para vender as passagens aos interessados em frequentar essas festas populares aqui citadas. Era uma outra forma de enxergar esses festejos no Nordeste brasileiro.

Esse formato acabou sendo consolidado. Os arraiás se espalharam por todo Estado de Sergipe. As ruas de várias cidades sergipanas ficavam vazias no período de São João e São Pedro. As fogueiras foram desaparecendo. As casas não eram tão enfeitadas com bandeirinhas, balões, palhas de coqueiro e os pedaços de chita. Também contribuíram para isso, o próprio crescimento urbano desordenado, a violência e a nova mentalidade ambiental. As calçadas estavam inabitadas.

Saudade de tudo isso, não é meu filho? Muita!!! Principalmente, quando leio, escuto e acompanho os depoimentos entristecidos de que não teremos festejos juninos na pandemia. O que as pessoas esquecem é que as culturas populares são dinâmicas, transformam os ambientes e são transformadas pelo contexto histórico em que estão inseridas. Elas resistem. Para o Nordestino, principalmente, os festejos juninos estão fazem parte do seu patrimônio cultural. Eles são elementos identitários. É muito difícil ser nordestino e se imaginar sem os símbolos representativos dessas festas populares, sem vivenciar o trezenário de Santo Antônio e as festas em homenagem a São João e São Pedro.

Porém, estamos vivendo um período de pandemia, praticando o distanciamento social. Estamos em casa. Portanto, tudo leva a crer que não teremos festejos juninos. De fato, não teremos os grandes eventos, as aglomerações, os grandes palcos e os mega shows. Teremos um retorno aos festejos juninos como festas familiares. Cada família em sua casa.

O trezenário de Santo Antônio e as missas em alusão a São João e São Pedro serão transmitidas pelos diferentes meios de comunicação. O padre estará com a igreja vazia.  Cada casa será um templo religioso na hora da reza e um arraiá no momento da festa. A soma desses arraiás transformará as ruas. O trio pé-de-serra, os cantores e as bandas de forró estarão no meio das ruas, no interior e nas varandas dos condomínios. Teremos arraiás verticais. Cada um na sua casa, seguindo os protocolos de saúde, com suas máscaras de chita, dançando forró com os seus familiares, sozinho ou com a vassoura. Cada um prepara ou compra os seus alimentos e bebidas preferidos do período junino. 

Movimentaremos a cadeia produtiva do ciclo junino. Doceiras, sanfoneiros, zabumbeiros, triangueiros, vendedores ambulantes de milho, coco, amendoim, bandeirolas, fogos de artifício, dentre outros estarão movimentando as economias locais. Os festejos juninos serão (re) inventados para manter a sua sobrevivência. Em suma, de uma forma ou de outra, teremos festejos juninos!!!

 

Prof. Denio Azevedo (UFS)

Projeto Sergipanidades (DTUR/PPGCULT)